Conheça a história da nossa rua preferida na cidade da Figueira da Foz. Já aqui fizemos o louvor a esta artéria central do Bairro Novo, também conhecida pelos locais como “rua das árvores”, agora sugerimos uma viagem pela história da Rua da Liberdade, pela pena do nosso colaborador Fernando Curado, ilustre estudioso da memória do concelho.
Inicialmente reservada à aristocracia e às elites, a moda dos banhos na praia ia conquistando cada vez mais adeptos, a vida balnear ganhava importância, os turistas no Verão eram muitos, mas a zona edificada continuava distante da praia.
Então, em 1861, um grupo de empreendedores visionários conceberam a Companhia Edificadora Figueirense, com o objetivo de construírem um novo bairro junto da praia, à semelhança das sociedades que construíram os bairros balneares franceses de Arcachon, Biarritz, Diepp, Boulogne e Trouville.
Foi na sessão de Câmara de 28 de dezembro de 1861 que se atribuiu o nome do novo bairro projetado, Bairro de Santa Catarina, e das ruas que o constituíam.
Relativamente à Rua da Liberdade, cuja origem agora se indaga, só encontrámos a seguinte referência: “Que a travessa que fica entre a rua da União e a rua do Bom Fim fique denominada travessa de São Brás”. Referência que na mesma ata tem a seguinte retificação: “Declara-se em retificação que …. a travessa de São Brás fica entre a Rua da União e a Rua da Boa Recordação”.
Ora, sabendo que a antiga Rua da União é a atual Rua do Dr. Calado e que a velha Rua da Boa Recordação é a atual Rua Cândido dos Reis, teremos de concluir que a antiga Travessa de São Brás foi o troço inicial da Rua da Liberdade.
Assim, a Rua da Liberdade foi primitivamente limitada pela Rua da União e pela Rua da Boa Recordação e posteriormente prolongada a Norte até ao Viso e a Sul até à Rua do Engenheiro Silva.
A Companhia Edificadora Figueirense só em 1868 foi instituída como sociedade anónima e cooperativa, em conformidade com a lei de 22 de julho de 1867, e só em 1869 teve estatutos aprovados.
Em 1861 já estavam concluídos alguns arruamentos do Bairro Novo, mas só em 30 de março de 1869 a Companhia Edificadora Figueirense requereu o alinhamento para a construção de várias casas e só a 2 de abril de 1869 se iniciou a construção do primeiro edifício, que se situava na Travessa de São Brás, isto é, na atual Rua da Liberdade.
Pertencia este primeiro edifício a Augusto Luiz César dos Santos, um dos fundadores da Companhia Edificadora Figueirense. Foi um dia de festa, ao som da Filarmónica Figueirense, com muitos foguetes e vários discursos, como noticiou «O Conimbricense» no dia seguinte.
Então, quando a 2 de abril de 1869 a Companhia Edificadora Figueirense iniciou a edificação da sua primeira casa, inaugurando a construção do novo Bairro de Santa Catarina, a Travessa de São Brás passou a chamar-se Rua da Inauguração e só assumiu o atual nome de Rua da Liberdade em 20 de janeiro de 1892.
Em 1874 foi efetuado o primeiro prolongamento da Rua da Inauguração (atual Rua da Liberdade), no sentido Norte, da atual Rua do Dr. Calado (Rua da União) à atual Rua do Maestro David de Sousa (Rua dos Banhos).
Doze anos depois, em 1 de abril de 1886, a Câmara mandou proceder aos estudos para novo prolongamento da Rua da Inauguração (atual Rua da Liberdade), “até encontrar a estrada que se dirige de Tavarede para Buarcos”, isto é, da Rua do Maestro David de Sousa até à Rua da Fonte.
O prolongamento da Rua da Liberdade exigiu várias expropriações, aprovadas a 16 de novembro de 1889, a 5 de fevereiro e a 23 de abril de 1890, expropriando 198 m2 de lavradio a António Loureiro, residente na Figueira, pelo preço de 9:900 reis, e parte de uma casa de habitação de José Pedro das Neves, residente em Lisboa, pelo preço de 400:000 reis.
Igualmente para prolongamento da Rua da Inauguração, a Câmara aprovou em 5 de novembro de 1890 a troca de 88 m2 de terreno lavradio por 112 m2 de pousio, com João Migueis Fadigas e sua mulher, ambos da Figueira, e em 21 de janeiro de 1891 ocorreu a expropriação amigável de 417,60 m2 de terreno a Bernardo Augusto Lopes, na qualidade de diretor da Companhia Edificadora Figueirense, pelo preço de 83:250 reis.
As edificações iam surgindo, mas em 1884 ainda não estavam calcetadas as ruas do Bairro Novo, nem mesmo tinham canalizações de água. Os arruamentos continuavam em estado deplorável, motivo pelo qual o vereador Fonseca informou em 18 de fevereiro de 1888 que as ruas do Bairro Novo estavam no “mais completo abandono”, propondo a sua reparação. No Verão de 1888 foi pavimentada a Rua da Inauguração (atual Rua da Liberdade), com pedra britada, quando esta já possuía canalização de esgoto.
Em 1890 o Bairro Novo tinha já 12 ruas, mas ainda havia muitos lotes de terreno para venda. Em 11 de junho de 1890 o engenheiro chefe da 3ª Secção Hidráulica envia um ofício à Câmara proibindo que os esgotos da Rua da Inauguração fossem conduzidos para um cano das obras da barra, o qual terminava a montante do quebra mar de Santa Catarina, não podendo “a situação manter-se por mais tempo”.
Estando em conclusão a rede de esgotos do Bairro Novo, deveriam os mesmos ser conduzidos para o “cano geral” do Largo José Luciano de Castro, e assim se daria resposta à situação assinalada pelo engenheiro chefe da 3ª Secção Hidráulica.
Em 5 de novembro de 1890 a Câmara deliberou continuar o cano de esgoto da Rua da Inauguração até à Rua da Fonte, e a sua macadamização e arborização, e bem assim continuar as terraplanagens até ao fim do primeiro alinhamento, devendo também fazer-se o desaterro da Rua da Fonte até encontrar a estrada real nº 49.
As obras de construção de um cano de esgoto na Rua da Concórdia (atual Rua Bernardo Lopes), assim como a ligação do esgoto da Rua Engenheiro Silva com a Rua da Inauguração (atual Rua da Liberdade), foram arrematadas em 11 de março de 1891 a António Junho Netto, pelo preço de 3:460 reis “por metro corrente de cano completo”.
Em 18 de março de 1891 a Câmara deliberou oficiar a Direção das Obras Públicas do Distrito de Coimbra para que autorizasse a ligação dos canos de esgoto das ruas do Melhoramento e da Inauguração com o cano de esgoto da Rua Engenheiro Silva, fazendo a primeira e a última ruas parte da estrada real nº 49 que ia da fonte da Geria a Buarcos, cuja aprovação ocorreria em 15 de abril seguinte.
Em carta de 24 de setembro de 1894 o Conde de Almedina pediu à Câmara 800:000 reis por um terreno que possuía na Rua da Inauguração. Em janeiro de 1895, José Antunes Martins ofereceu 500:000 reis do terreno que vendera à Câmara entre a Rua da Inauguração e a Rua do Melhoramento, na condição de nele se construir um largo ajardinado, obrigando-se a Câmara a não o vender, nem fazer nele qualquer edificação, e a Câmara deliberou em 16 de janeiro de 1895 agradecer e dar-lhe o nome de Largo Antunes Martins.
Em carta de 29 de janeiro seguinte 1895, José Antunes Martins, morador em Lisboa, agradeceu os “favores que lhe dispensaram” e pediu que a Câmara fizesse uma planta e o orçamento dos melhoramentos a fazer no terreno expropriado na Rua do Melhoramento, considerando que os mesmos deveriam incluir a arborização, calcetamento e um marco fontanário no centro.
No início de 1896 foram realizadas muitas obras de melhoramento das ruas, como os passeios da Rua Manuel Fernandes Tomás, da Rua da Inauguração (entre as ruas dos Banhos e da Saudade) o pavimento da Rua da Boa Recordação e a macadamização da Estrada Real nº 49, ao Casal da Robala, entre esta estrada e o cemitério Oriental.
Em 1897 a Rua da Liberdade ainda tinha poucas casas e nas suas margens existiam barreiras, como refere a ata da reunião de Câmara de 13 de janeiro daquele ano, na qual o zelador Rainho informou o desabamento de barreiras para cima do passeio.
Em 1898 foram pavimentadas as ruas da Saudade (parte), da Boa Recordação (parte), da Indústria, da Liberdade (parte), de Manuel Fernandes Tomás e a Travessa do Circo, cujos orçamentos foram aprovados pela Câmara em 11 de março desse ano.
A 27 de abril de 1898, Francisco dos Reis Sapim, pedreiro, arrematou a construção de um cano de esgoto na Rua da Liberdade, na parte entre a Rua dos Banhos e a Rua da Saudade, numa extensão de 122,80 metros, pelo preço de 434:500 reis.
Em 29 de janeiro de 1903 a Câmara deliberou adquirir terrenos para o prolongamento da Rua da Liberdade e Joaquim Felisberto Soto Maior ofereceu ao município a quantia de 519:000 reis para a aquisição dos terrenos entre a Rua da Fonte e o lanço de estrada municipal do Casal do Mártir Santo até à estrada distrital nº 34-A.
Em 7 de maio de 1903 a Câmara decidiu comprar 196 m2 de terreno a Carlos Augusto d’Oliveira para alinhamento da Rua da Liberdade. Custou este terreno 19:600 reis, valor que foi custeado por Joaquim Soto Maior.
A Rua das Árvores… e dos Hotéis históricos
Em 11 de maio de 1908 a Comissão Administrativa aprovou um orçamento no valor de 103:000 reis para a construção de um cano de esgoto em parte da Rua da Liberdade.
A ideia de ligar a Rua da Liberdade à Rua de Buarcos foi aprovada em 7 de janeiro de 1909, tendo a nova estrada atravessado os terrenos de José Maria da Costa, Carlos Augusto de Oliveira e António da Silva.
Em 10 de novembro de 1910 a Câmara deliberou comprar 426,30 m2 de terreno de cultura, à margem da Rua da Liberdade, pertencente a Raul Pestana e esposa, Rosa da Conceição Vieira da Costa, pela quantia de 95:000 reis, com o fim de se abrir uma rua de ligação da Rua da Liberdade com a estrada real nº 49, da Fonte da Geria a Buarcos.
Por último, recordamos que os maiores símbolos da Rua da Liberdade foram as suas árvores, as suas bonitas casas e os seus grandiosos hotéis.
Na primeira casa construída em 1869 pela Companhia Edificadora Figueirense funcionou desde 8 de setembro desse ano a Assembleia Recreativa, que se situava na esquina da Rua da Boa Recordação (atual Rua Cândido dos Reis) com a Rua da Inauguração (atual Rua da Liberdade), onde se dançava às terças e às sextas-feiras.
Ao lado da Assembleia Recreativa foi construído o Grande Hotel Foz do Mondego, o qual abriu portas em 19 de agosto de 1870, também propriedade de Augusto Luiz César dos Santos.
Em 1890 o Casino Mondego, então o primeiro casino da Figueira, instalou-se no edifício da Assembleia Recreativa, virado para a Rua Cândido dos Reis, propriedade de Eduardo Martinho.
Em julho de 1898, no edifício de Augusto Luiz César dos Santos, na Rua da Liberdade, instalou-se o Hotel Lisbonense, o qual confinava com o Casino Mondego e era propriedade de Vicente Paramos, galego, que 8 anos antes, em 1890, tinha fundado nas Caldas da Rainha um Hotel com o mesmo nome, onde D. Carlos I ficava com a sua família quando ia a termas.
Em 1920 Eduardo Martinho mudou o nome do Hotel Lisbonense para Hotel Portugal e em 16 de julho de 1927 inaugurou o Grande Hotel Portugal a partir da fusão do Hotel Portugal com o Casino Mondego que tinha comprado em 1925. Assim nasceu o Grande Hotel Portugal, “dotando a nossa terra com um melhoramento que muito e muito vem beneficiar a propaganda e bom nome da nossa praia”. “A Figueira não tinha um hotel digno desse nome……um hotel que pudesse receber os turistas que nos visitam, dando-lhes todas as comodidades que eles estão acostumados a encontrar lá fora e já mesmo no nosso país”.
O Grande Hotel Portugal, que também pertenceu a Guilherme Garrido, foi um grandioso estabelecimento turístico, com 100 quartos e sala de jantar para 300 pessoas, demolido em 1988.
Na Rua da Liberdade existiu ainda o Hotel Internacional, de Joaquim Pereira Duarte, que é hoje um Hotel Ibis, e o Hotel Martinho, de Augusto Alves da Silva, que funcionou num edifício de rara beleza, também demolido.