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Tesouros do Património Religioso da Figueira da Foz: Contributo para uma Rota Sacra

Igreja de Santo António ou Capela da Misericórdia. Uma rota do Património religioso da Figueira da Foz.

Desta feita, propomos um roteiro pelo património religioso da Figueira da Foz. O concelho não tem grandes catedrais ou sés ou basilicas, mas apresenta um número significativo de sítios de fé classificados como património protegido que merecem, sem dúvida, uma atenção mais demorada. Está aqui, claro, o ex-libris da arquitetura monumental religiosa figueirense, o recém reabilitado Mosteiro de Santa Maria de Seiça, Monumento Nacional, mas chamamos sobretudo à atenção agora para igrejas e capelas mais modestas, também com séculos de existência mas ainda, na sua generalidade, com um culto vivo em seu torno e com grandes celebrações anuais.

Cada um destes templos é dedicado a um orago distinto – que também ele, santo ou invocação mariana – as muitas representações de Nossa Senhora -, conta uma história sobre as comunidades locais, marcando a paisagem física e cultural por todo o concelho, monumentos vivos do quotidiano das diversas comunidades rurais e urbanas da Figueira, que se manifesta em todo seu esplendor nas animadas festividades anuais aos padroeiros, que decorrem ao longo de todo o ano e que também convidamos a conhecer, pois são sempre excelentes pretextos para conhecer novas paisagens, gentes, tradições, artes e ofícios e, porque não, gastronomias.

Além do seu valor arquitetónico, cultural e histórico, muitos destes edifícios possuem acervos de arte sacra, pintura, estatuária, mobiliário ou objetos litúrgicos de grande interesse cultural, que deviam sem dúvida ser mais valorizados e promovidos. Este mapa sinaliza e descreve mais de 50 sítios de interesse turístico e cultural nas 14 freguesias do concelho e pretende inspirar, de certa forma, o “pontapé de saída” para uma “Rota Sacra” da Figueira da Foz, além de ajudar naquele desiderato acima referido, de melhor divulgar os tesouros patrimoniais do nosso concelho.

Alguns monumentos, como a Capela de Santa Olaia, em Ferreira-a-Nova, têm um elevado interesse patrimonial mas também paisagístico, valendo bem a pena a visita pelo seu magnífico enquadramento natural ou, como neste caso, arqueológico

Privilegiamos aqui, já agora, o estatuto de proteção do monumento, dando mais relevo a igrejas, capelas e outros marcos religiosos que tenham a chancela de monumento classificado e protegido – como Imóvel de Interesse Público, Interesse Municipal, ou até, no caso de Santa Maria da Seiça, como Monumento Nacional -, mas também se incluem outros imóveis e monumentos que, não tendo direito a proteção legal ou classificação, não deixam de constituir marcos relevantes para a identidade local a merecer visita, até como pretexto para descobrir uma outra Figueira, diríamos mais genuina e representativa das comunidades locais – as cores dos ícones no mapa diferenciam o seu estatuto patrimonial.

Por isto, e porque todos os pretextos para sair de casa e descobrir a Figueira são bons, em qualquer altura do ano, convidamos a explorar os tesouros da arquitetura e da arte religiosa figueirense. O mapa tem três camadas, que pode explorar separadamente: Património classificado e protegido, Monumentos não classificados mas inscritos no Inventário do Património Arquitetónico e Outros. Uma última nota de agradecimento, ao nosso colaborador Fernando Curado, investigador das antiguidades da nossa terra, que fez as resenhas históricas de alguns destes monumentos (ver fichas no mapa). Este trabalho tentou ser exaustivo e rigoroso, mas admitimos lacunas, caso falte aqui algo, contacte-nos!


Entretanto, não sendo nenhum “top 5”, destacamos aqui os nossos cinco monumentos religiosos favoritos do concelho, todos com estatuto de Interesse Público.

Capela de Nossa Senhora de Seiça (Paião)

Situa-se na freguesia de Paião, na margem sul do Mondego e, embora não tenha a imponência do vizinho Mosteiro de Seiça, é sem dúvida um dos monumentos mais bem preservados e singulares do concelho. Erguida originalmente no século IX e sucessivamente reconstruída ao longo dos reinados de D. Afonso Henriques e D. Sancho I, atingiu a sua forma atual em 1602. Classificada como Imóvel de Interesse Público em 1970, este pequeno templo, de estilo barroco e planta octogonal, destaca-se pela estrutura única, envolta por um alpendre sustentado por colunas dóricas, e pela sua iconografia religiosa, presente nos azulejos e nas telas que decoram o interior, representando milagres e episódios lendários associados ao local.

A capela tornou-se, ao longo dos séculos, um importante local de peregrinação e devoção. A estrutura octogonal permite a visualização do altar a partir das janelas e portas laterais, permitindo uma participação alargada dos fiéis, especialmente durante as celebrações do dia 15 de agosto, em honra da padroeira. Ainda hoje, a capela é palco de promessas e ex-votos, incluindo a pesagem simbólica de crianças curadas, prática antiga que marca a secular Feira D’Ano de Seiça, uma tradição viva desde 1513. Também é um dos pontos de paragem obrigatórios do excelente percurso pedestre pela freguesia, a Rota de Seiça.

Património religioso da Figueira da Foz. Capela de Seiça.

Capela de Nossa Senhora da Conceição (Buarcos)

Há monumentos que valem pelo seu valor intrínseco, mas também pela beleza do seu enquadramento paisagístico, como é o caso da Capela de Santa Olaia ou da Capela do Senhor dos Aflitos, na Murtinheira. Em Buarcos, temos a bela Capela da Senhora da Conceição, junto às muralhas e com vista para o oceano e para a baia. Situada no Largo com o mesmo nome, é também um dos mais antigos e significativos monumentos religiosos da Figueira da Foz, classificado como imóvel de interesse público.

A sua construção remonta à primeira metade do século XVI, provavelmente ao ano de 1536, como indicado na ombreira da porta lateral esquerda. Originalmente dedicada a Nossa Senhora das Ribas, devido à proximidade de uma ribanceira costeira, a capela foi rededicada no século XVII a Nossa Senhora da Conceição, seguindo a consagração do Reino de Portugal à Imaculada Conceição, promovida por D. João IV em 1646. Este ato marca um dos primeiros sinais do estilo maneirista na região, patente nas ombreiras molduradas dos três portais, que revelam frisos e cornijas, preservando ainda o espírito renascentista.

O interior é um verdadeiro mosaico artístico, refletindo intervenções dos séculos XVII e XVIII, principalmente em azulejaria e talha dourada. A nave única ostenta silhares de azulejos azuis e brancos, representando motivos de albarradas e balaústres, enquanto o arco triunfal exibe azulejos com figuras portadoras de cornucópias florais, rematados por cercaduras de folhagens. No centro do arco, um painel com a imagem de Nossa Senhora da Conceição, datado de 1714 e encomendado pelo Doutor Duarte Brito, é uma das peças mais emblemáticas do conjunto decorativo. No altar-mor, a talha dourada destaca-se pela elegância barroca, especialmente no retábulo principal. A nave, enriquecida com um púlpito do século XVI trazido da antiga capela de Santa Cruz dos Redondos, completa o panorama artístico deste monumento, que, apesar das alterações ao longo dos séculos, se mantém um marco da devoção e da história local.

Igreja de São Julião

Não podia faltar, a principal Igreja da cidade, igualmente um monumento de grande beleza no centro histórico da Figueira da Foz, que tem São Julião como padroeiro. A Igreja de São Julião é Monumento de Interesse Público e a sede da paróquia local, representando um dos templos mais antigos e emblemáticos da cidade, cuja construção atual foi concluída em 1716, com melhorias realizadas em 1778. No entanto, a sua história remonta ao século XI, embora as origens exatas sejam incertas, havendo registos de obras de melhoramento no século XVI.

Arquitetonicamente, a Igreja é um exemplo destacado do estilo religioso setecentista. A sua fachada imponente e simétrica é dividida em três partes e emoldurada por pilastras. As duas torres sineiras ladeiam um corpo central recuado, que forma um terraço em balaustrada, com um portal de arco adornado por um frontão triangular. O conjunto é marcado pela hierarquia visual das janelas e pela monumentalidade dos corochéus que rematam as torres. O interior reflete um cruzamento estilístico entre o barroco e o neoclassicismo, especialmente evidente nos retábulos da capela-mor e dos altares colaterais. A Capela Funerária contém um retábulo renascentista em pedra, proveniente do Mosteiro de Seiça, enquanto as pinturas religiosas, atribuídas a frei Inácio da Silva Coelho Valente, enaltecem ainda mais o valor artístico deste templo.

Igreja Paroquial de Lavos

A Igreja de Nossa Senhora da Conceição, também conhecida por Igreja de Santa Luzia, por estar no lugar de Santa Luzia, ou simplesmente Igreja Paroquial de Lavos, é um dos principais monumentos do concelho a sul do Mondego. A edificação atual data de 1744, substituindo a antiga ermida de Santa Luzia, cuja localização mais próxima ao mar foi comprometida pela invasão de areias. Esta mudança reflete as condições naturais adversas que forçaram a deslocação da povoação para um terreno mais elevado, no local atual de Santa Luzia. Assim, em 1743 iniciou-se a construção da nova igreja, projeto que reflete a transição estilística do século XVIII com influências do rococó e neoclassicismo, visíveis na decoração e nos elementos arquitetónicos. A fachada principal destaca-se pelas pilastras de cunhais encimadas por pináculos, o frontão triangular com óculo polilobado no tímpano e o nicho de Santa Luzia, ladeado por janelões que acompanham a torre sineira, coroada por um coruchéu.

O interior, em contraste com a austeridade exterior, é ricamente decorado. A nave apresenta um teto de caixotões pintados e várias capelas laterais, sendo a capela-mor ornamentada com um retábulo central e uma tela de Nossa Senhora da Conceição, obra de Pascoal Parente, datada de 1789. Entre as peças de destaque, encontra-se uma escultura da Trindade do século XVI, em calcário cromado, e uma Pietá em pedra na capela das Almas. O retábulo principal, em talha dourada e marmoreada, exibe a estética rococó do período, tal como o órgão setecentista que enriquece o coro-alto. O lambril de azulejos do século XIX e a pia batismal de pedra de Ançã, do século XVI, revelam a mistura de intervenções ao longo dos séculos, culminando na classificação da igreja como Monumento de Interesse Público em 2011.

Igreja de São Pedro (Buarcos)

A Igreja Paroquial de São Pedro, em Buarcos, destaca-se igualmente enquanto marco relevante do património cultural do concelho, sendo classificada como Monumento de Interesse Público desde 2013. O edifício atual é fruto de uma reconstrução do século XVIII, impulsionada pelo terramoto de 1755, embora fontes contemporâneas, como o então pároco Joseph de Ceya Curado, indiquem que a freguesia não sofreu danos substanciais com o sismo. Esta igreja mantém, contudo, elementos da arte e arquitetura quinhentistas, nomeadamente o retábulo-mor de João de Ruão, com uma representação da “Lamentação sobre Cristo Morto”, que agora enriquece a Capela de Santa Cruz.

Localizada no acolhedor Largo de São Pedro, a igreja apresenta uma nave única com capela-mor e uma capela lateral, além de um acervo valioso de azulejaria do século XVII. Entre os detalhes de interesse, encontra-se o altar pétreo proveniente da extinta capela de Santa Cruz dos Redondos e o altar de talha dourada, oriundo da capela de Nossa Senhora da Nazaré. Vários registos históricos detalham as sucessivas intervenções na estrutura ao longo dos séculos, especialmente as obras de conservação e restauro do século XVIII e a instalação de novos elementos artísticos. Com um frontispício que exibe a imagem de São Pedro, esta bela igreja é um testemunho da fé dos buarquenses e um excelente pretexto para descobrir o centro histórico pitoresco de Buarcos.

Igreja de São Pedro de Buarcos

AUTOR

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João P. Cruz

Consultor de comunicação territorial e patrimonial mas tudo lhe interessa. Estudou arqueologia, foi jornalista, biógrafo, ajudante de cozinha, ghostwriter, operacional do ICNF e livreiro. Integra desde 2018 equipas de classificação patrimonial (Nacional e UNESCO) e de projetos de desenvolvimento turístico, cultural e económico local. Está na luta dos territórios sustentáveis e inteligentes. Nasceu em Coimbra, vive na Figueira da Foz há 18 anos e é do mundo. É também co-fundador da MeetMunda Inovação e Turismo, empresa-mãe da marca MeetFigueira.