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Tavarede. Terra de Condes… E Limonete

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Contributos para uma História da Freguesia de Tavarede

A freguesia de Tavarede é constituída pelas povoações de Casal da Areia, Carritos, Tavarede, Chã, Vila Robim, Várzea, Quinta do Paço, Quinta da Esperança, Senhor do Areeiro, Condados, Saltadouro e Ferrugenta. Tavarede é também conhecida pela “Terra do Limonete”, termo originado numa lenda que tem como protagonistas uma moura encantada e um cavaleiro cristão que estava ao serviço de Cidel Pais, senhor que tinha Tavarede sob sua proteção.

Segundo consta, ia o cavaleiro a caminho de Coimbra para participar na tomada desta cidade aos mouros quando, no monte de Santa Eulália, encontrou numa gruta 8 mouras encantadas, ali presas por um feitiço que seu pai, um chefe árabe, lhes havia lançado para não caírem em poder dos cristãos.

Uma delas, de nome Kadija, explicou que o seu feitiço seria quebrado assim que um príncipe lhe repetisse 3 vezes: “sois bela como o Sol”. O cavaleiro logo quebrou o feitiço, dizendo a frase, ao que adiantou: “A terra para onde te levar aquele que vier desencantar-te será uma terra aprazível, rica de plantas aromáticas entre as quais uma de cheiro rústico e agradável, persistente e suave, que lhe dará nome e alcançará fama”. A fama do limonete, planta também conhecida por lúcia-lima, bela-luísa, erva-luísa ou doce-lima.

O povoamento de Tavarede fez-se antes do séc. XII. Não longe, ficava o notável castelo medieval de Santa Eulália (ou Santa Olaia), que assentava sobre um fortíssimo castro da Idade do Ferro, destruído por uma investida muçulmana em 1116, e que se chamava de “civitas” ainda no séc. XII e XIII.

Em 1092, D. Elvira e o seu marido D. Martim Moniz, governador de Coimbra, fazem doação “ de loco sancti Martini in villa Tavaredi” ao prócer D. João Gosendes, senhor rico que era especialmente herdado na Beira Alta (no atual Concelho de S. Pedro do Sul). Dos limites consignados no diploma, vê-se que a doação abrangia pelo menos a atual Freguesia de Tavarede, com sua Igreja:

”Ao Oriente a Villa Várzea, que limita com Tavarede pela pena de Azambujeiro, e daí chega ao sovereiro curvo seguindo na direcção da mamoa; ao ocidente, a Villa Alamede; ao sul, é o local das salinas junto ao rio Mondego; ao norte a Villa de Quiaios”.

Em 1406, D. Marinha Afonso, com o consentimento de seu marido, fez doação ao Mosteiro de Seiça dos seus bens em Tavarede e outros lugares, para ser “familiaira” do convento, participar nas orações e boas obras deste e ser sepultada no mosteiro, se o viesse a requerer.

A Casa de Tavarede

Desde muito cedo foi Tavarede um couto e Concelho, a que D. Manuel I deu foral, em Lisboa, em 9 de Maio de 1516. Cedido o foral, António Fernandes de Quadros, senhor de Buarcos e de Vila Verde, funda a “Casa de Tavarede” e manda construir o Paço de Tavarede, onde fixa residência, decorria a primeira metade do século XVI.

Tem a data de 1 de agosto de 1541 o Brazão das Armas das Famílias dos Quadros e Barretos, passado a António Fernandes de Quadros, Adail de Azamor e Comendador da Ordem de Cristo, e descendente das ditas famílias. António Fernandes de Quadros faleceu em 1540 e está sepultado na capela-mor da Igreja de Santo António, na Figueira da Foz, cujos terrenos cedeu para a construção do respetivo Convento, fundado no ano de 1527 conjuntamente com Frei António de Buarcos e com o apoio de D. João III.

A Casa de Tavarede foi titulada pela família Quadros até ao 3º Conde de Tavarede, extinguindo-se o título com o falecimento deste em 1903. Era a mais importante e influente família local que, desde princípios do séc. XVI, se vinha afirmando na região de Tavarede.

Além da Mitra Conimbricense, senhorio de vastos direitos e largos domínios no couto de Tavarede, os dois outros grandes potentados eram o Mosteiro de Santa Cruz e a Casa Ducal de Coimbra, depois mudada a titularia e senhorio, para Casa Ducal de Aveiro, por D. João III.

No séc. XVIII havia aqui três ermidas, do senhor do Areeiro, do senhor da Chã e de Santo Aleixo (esta, da Universidade), todas bem dotadas de rendas, por doações, mas das quais só havia ruínas nos fins do século passado, bem como do mosteiro de monjas Franciscanas de Santo António, de Nossa Senhora da Esperança, fundado em 1527, com proteção de D. João III.

D. José I (1714-1777), em 1771, mudou a Câmara de Tavarede para a Figueira, quando esta povoação passou a vila. Uma das principais regalias dos senhores de Tavarede era a de receberem um imposto de cada forno de cozer pão, não podendo ninguém construí-los nos coutos de Tavarede sem sua licença.

Em 1787 foi, por escritura, concedida licença a “hum morador da Figueira para poder fazer hum Forno de cozer Pão broa nas suas casas com a obrigação de pagar de Foro duas Gallinhas, e na falta de cada hua dellas duzentos e quarenta reis por cada hua á escolha do Foreiro”, conforme “Gazeta da Figueira” de 23 de Outubro de 1887.

A 10ª Senhora de Tavarede, D. Antónia Madalena de Quadros e Sousa, casou, no dia 26 de Dezembro de 1791, com o célebre fidalgo D. Francisco de Almada e Mendonça, e a família Quadros passa a viver no Porto, onde o seu marido era corregedor.

A família “Quadros e Almada” passou a ter a sua residência no Porto, fazendo, no entanto, frequentes visitas a Tavarede, onde, no dizer de Pinho Leal, no seu “Dicionário Portugal Antigo e Moderno”, “era a providência dos povos desta terra”. D. Antónia Madalena enviuvou em 1804, tendo regressado a Tavarede, onde faleceu no dia 25 de Fevereiro de 1835, encontrando-se sepultada na cripta do convento de Santo António, na Figueira da Foz.

O único filho varão de D. Antónia Madalena e de D. Francisco de Almada e Mendonça, que se chamou D. João de Almada Quadros Sousa de Lencastre, casou, em 1810, com D. Maria Francisca Emília da Fonseca Pinto de Albuquerque Araújo e Meneses, filha e herdeira do superintendente das coudelarias da comarca de Trancoso, possuidor de largas propriedades naquela terra, que constituíam um morgado, e que, pelo casamento, se uniram à casa de Tavarede.

D. João de Almada, o 1º Conde de Tavarede, passou, entretanto, a residir em Trancoso, com sua família, fazendo, especialmente na época balnear, frequentes e demoradas visitas à Figueira da Foz, instalando-se no seu velho solar de Tavarede. De igual modo terá procedido o seu filho e herdeiro, o 2º Conde de Tavarede, de quem, por seu falecimento em Novembro de 1853, foi herdeiro seu filho primogénito, D. João Carlos de Almada Quadros Sousa Lencastre Fonseca Albuquerque de Menezes (1849-1903).

D. João Carlos, 3º Conde de Tavarede, nasceu em Lisboa, em 5 de abril de 1849. Residiu poucos anos em Tavarede, onde gastou avultadas verbas na renovação do Paço da família Quadros, conferindo ao edifício a arquitetura que manteve até hoje, ao gosto neomanuelino, em voga na época.

O poder transfere-se para a Figueira da Foz

Tavarede foi concelho até 1834, quando foi extinto e incluído no concelho da Figueira da Foz, e ao perder importância surgiram estes versos:

“Das regalias que tive/Uma longa história fala/Fui senhora tantos séc’los/Para agora ser vassala!/Vila antiga como eu fui,/De nobreza verdadeira,/Esquecem meus pergaminhos/Para dar honra à Figueira”.

Tavarede continuou com os seus fidalgos, mas sem o poder de outrora, e os Quadros mudaram-se para Trancoso nos finais do século XIX, onde possuíam igualmente grandes propriedades.

Mas os Quadros regressavam a Tavarede, com frequência, recordando-se que o 3º Conde, em 20 de Setembro de 1883, tomou posse como presidente da Direção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz, e, se aceitou essa nomeação, seria porque aqui estava o tempo necessário para o desempenho do mesmo ou, talvez, porque tencionava mudar a sua residência para a Figueira, uma vez que, por essa ocasião, mandou fazer importantes obras de transformação no palácio.

A filha do Marquês de Pombal, Maria Amália de Carvalho e Daun, casou com o 1º Conde de Rio Maior e, sendo mãe do 1º Conde de Tavarede, o 1º Presidente dos Bombeiros da Figueira da Foz, o 3º Conde de Tavarede, é trineto do Marquês de Pombal (1699-1782).

Um jornal figueirense noticiava, em abril de 1898, que o 3º Conde vendera o Solar e a Quinta de Tavarede, tendo sido comprador Luís João Rosa, pela importância de 5 contos de reis.

O 3º Conde de Tavarede, cheio de dívidas, regressou a Trancoso, onde faleceu no dia 9 de Julho de 1903. Tinha 54 anos, era fidalgo da Casa Real e Comendador da Ordem da Conceição e da de Carlos III de Espanha. Tinha sido governador civil da Guarda e deputado da Nação.

“Fidalgo no sangue, no aprumo, na ilustração, no carácter, no sentimento e invariável nas acções, o grande amigo imprimia feição a Trancoso, dava-lhe a sua vida, do seu tom, dos seus nervos, da sua qualificação social, anímica e mental: alma de luz, propagava luz”, escreveu-se na Folha de Trancoso de 1 de novembro de 1914 acerca da morte do 3º Conde de Tavarede.

Com o falecimento do 3º Conde de Tavarede, em 1903, desapareceu a Casa de Tavarede, fundada em 1540 por António Fernandes de Quadros, e o velho solar dos fidalgos Quadros, onde durante 3 séculos se organizaram festas fantásticas, foi-se degradando até à ruína.

Paço de Tavarede

Foi reconstruído em 2006, tendo-se optado por um toque de modernidade, ainda que tenha mantido o essencial da sua arquitetura romântica e revivalista da segunda metade do século XIX. A fachada principal, a nascente, tem janelas geminadas de recorte árabe e portas com arcos abatidos. A fachada poente tem uma bela torre edificada sobre uma antiga torre quinhentista.

Desapareceu a Casa de Tavarede, fundada em 1540 por António Fernandes de Quadros, mas subsistiu o Paço de Tavarede, recuperado em 2006.

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AUTOR

Fernando Curado
Natural do Alqueidão, Figueira da Foz, Fernando Curado é um engenheiro civil aposentado, especializado em engenharia sanitária. Esteve sempre ligado a entidades públicas. Atualmente reside em Beja. Há 10 anos, assumiu estudar a história da Figueira da Foz e divulgá-la de forma sintética. Já o faz desde 2015. E está só no início.

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