A Igreja Matriz de São Julião é o principal templo católico da cidade, um património classificado e imponente que merece uma visita e que ostenta uma longa história de serviço à comunidade, albergando o padroeiro da cidade. Conheça aqui melhor este monumento, nestes ricos apontamentos históricos pela pena sempre inspirada do nosso memorialista Fernando Curado.
DO SÉCULO VII AO SÉCULO XIV
No século VII foi edificada uma Abadia na foz do Mondego, um local não habitado, para acudir aos pescadores dos lugares das redondezas – esses sim habitados – tais como Vila Verde, Caceira e Lavos, quando regressavam da faina, necessitando de ajuda.
A Abadia denominou-se de São Julião porque este santo também viveu numa cidade junto a uma foz, a cidade de Antinoe, no Vale do Nilo, tendo ajudado espiritualmente e na doença as suas gentes. Em 717, esta Abadia foi destruída pelos sarracenos, não deixando pedra sobre pedra, e assim ficou até 1080, como referiu Pinho Leal, referindo-se às calamidades que a Figueira sofreu: “Os Árabes a arrasaram completamente, não deixando pedra sobre pedra, em 717”.

Em 1080 o Abade Pedro, vindo de regiões muçulmanas para a propaganda do catolicismo, estabeleceu-se em S. Julião, enviado pelo Conde Sisnando, de Coimbra, com o objetivo de restaurar as terras devastadas durante a Reconquista.
Em 1080 a Abadia ainda estava destruída, mas o Conde D. Sisnando ordenou a edificação de várias igrejas na região e a reconstrução da Abadia junto à foz do Mondego, com “casas necessárias e boa torre”, e doou-a à Sé Velha de Coimbra, em 1096, conforme consta do seu testamento existente no Livro Preto daquela Sé. A reconstrução da Abadia demorou 16 anos e em 1096 a obra ficou concluída.
Em 1096 o Abade Pedro faz a doação da Igreja de São Julião à Igreja de Santa Mãe de Deus e Sempre Virgem Maria da Sé Episcopal de Coimbra, conforme se acha transcrito no Portugaliae Monumenta Historica:
“Ego petrus abbas propter amorem sanctae it indiuiduae trinitatis facio kartam testamenti eclesiae sanctae dei genitricis semperque uirginis mariae episcopalis sedis colimbriensis de aeclesia sancti iuliani quae est sita in septemtrionali ripa mondeci fluminis prope litus maris quae condam depopulata et destructa fuit a sarracenis….”
Traduzindo:
“Eu, Pedro, abade, por amor de Santa e Indivídua Trindade, faço à igreja de Santa Mãe de Deus e sempre Virgem Maria da Sé episcopal de Coimbra, doação da igreja de S. Julião, que está situada na margem norte do rio Mondego, junto à praia, a qual noutro tempo foi saqueada e destruída pelos Sarracenos”.
O Abade Pedro, pelos seus serviços, recebeu do conde Sisenando “além da abadia de S. Julião, todas as terras cultas e incultas que ficavam ao oriente, designadas já naqueles tempos pelos nomes de Casseira, S. Veríssimo (Vila Verde) e Fontela, o que junto com a herdade de Lavos constituía uma grande riqueza”.
Neste mesmo ano de 1096, o rei Afonso VI de Leão e Castela entregou o governo do Condado Portucalense ao conde D. Henrique de Borgonha, passando a ser conde de Portucale.
Em 1139, D. Afonso Henriques venceu os mouros na batalha de Ourique, foi aclamado Rei e assim nasceu o Reino de Portugal com sede em Coimbra.
Em 1179 o papa Alexandre III, através da Bula Manifestis Probatum, confirma e reconhece Portugal como reino independente e soberano protegido pela Igreja Católica.
Em 1342, a 1 de abril, Buarcos recebeu o 1º foral, de D. Afonso IV, e passa a sede de concelho.
Em 1390, o Papa Bonifácio IX envia Bulla para o Reino de Portugal e confirma a Igreja da Figueira da Foz (e de Espinho).
DO SÉCULO XV AO SÉCULO XVIII
Em 1476 a Igreja de S. Julião volta a estar em obras, pois data de 7 de Março desse ano um pedido dos “homens bons de Buarcos”, dirigido ao cabido da Sé de Coimbra, para a isenção dos impostos relativos à sua reconstrução.


A Igreja de S. Julião foi matriz de toda a região até Buarcos, deixando esta vila de estar sob jurisdição de S. Julião quando edificou a sua igreja de S. Pedro em 1499.
Em 1516, D. Manuel I concedeu o 2º foral a Buarcos.
No século XVI o cabido da Sé de Coimbra ajudou o Concelho de Buarcos com 7.000 reais para corregimento da igreja de São Julião da Foz do Mondego.
Não obstante, em 1701, a Igreja encontrava-se já muito degradada, e, como não havia dinheiro para iniciar as obras, o povo pediu ao cabido “as dízimas e os oitavos dos frutos produzidos”, um imposto que ao cabido pertencia.
Em 1716 foram iniciadas grandes obras de reconstrução na Igreja de São Julião.
Em 1721, afirmou o Reverendo Belchior dos Reis: “A igreja está num grande terreiro, que serve de adro ou cemitério, junto à foz do Mondego, num local donde se vêem o mar e a navegação, não só aprazível à vista dando recreação aos olhos, mas também deleitável para a vivenda humana”.
Em 1755, no dia 1 de novembro, um forte terramoto destruiu a Igreja Matriz de Buarcos e provocou grandes prejuízos na Igreja de S. Julião da Figueira da Foz.
Em 1771, a aldeia de Figueira da Foz foi elevada à categoria de Vila.
Em 1778, por falta de verba, as obras na Igreja de S. Julião ainda não tinham sido concluídas.º
Em 1782 ficaram as obras concluídas, 66 anos depois de iniciadas, e o templo passou a chamar-se de Igreja Nova. Uma vez mais à custa de um novo imposto, o “real de água”, cobrado por cada alqueire de sal saído em embarcações pelo Mondego ou barra, durante doze anos.
São desta altura as telas existentes na Igreja de S. Julião, com imagens de Nossa Senhora, assinadas por frei Inácio da Silva Coelho Valente, em 1784, e um dos sinos da torre poente, fabricado por “JOANES FERREIRA LIMA ME FECIT BRACHARAE”, em 1782. Neste mesmo ano de 1782 foi inaugurado o Pelourinho da Praça Velha (monumento nacional desde 1910).
DO SÉCULO XIX AO SÉCULO XX
De 1807 a 1811, em resultado das invasões francesas, houve um anormal número de mortes, por doenças várias, que obrigou a Câmara Municipal a abrir um novo cemitério, pois o adro da Igreja Matriz de S. Julião mostrou-se insuficiente, constando da deliberação de Câmara de 24 de Janeiro de 1810:
“ (…) Se não deviam enterrar no centro da povoação onde está a egreja e o seu adro, e por conseguinte se devia estabelecer um logar mais remoto e separada para que os mesmos se sepultassem com segurança do público (…) e assentaram que o sitio mais adequado (…) fosse a Cerca do Convento de Santo António”.
Em 1849, a Junta da Paróquia solicitou à Câmara Municipal a construção de um muro no adro da Igreja de S. Julião, que hoje lhe serve de suporte, “a fim de pôr termo à escandalosa indecência em que o exterior do templo se encontrava, enxovalhado por toda a casta de imundícies”. O muro fez-se e o adro foi arborizado.

Em 1877, 1887 e 1896, foram feitas novas obras na Igreja de S. Julião e desapareceram todos os vestígios da arquitetura antiga. O exterior, feito com pedra de Ançã, encontra-se ainda hoje em bom estado de conservação.
A igreja do Abade Pedro só possuía uma torre, a do lado oriental, mas a atual Igreja de S. Julião possui duas torres, contendo cada uma um relógio, um com numeração romana e o outro com numeração cardinal.
No interior da Igreja de São Julião destacam-se, na nave, três retábulos de madeira, característicos do século XVIII, sobressaindo também o altar principal e uma das capelas laterais. Na capela lateral esquerda, a Capela Funerária, pode ser apreciado um pequeno retábulo em pedra do século XVI, proveniente do Mosteiro de Seiça, representando o Pentecostes (a descida do Espírito Santo sobre Jesus Cristo ladeado por Santo Amaro e São Pedro).
A Igreja de São Julião é muito bonita e encontra-se classificada, desde 2012, como MIP – Monumento de Interesse Público (Portaria n.º 740-BF/2012, DR, 2.ª série, n.º 248 de 24 dezembro).