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Figueira da Foz elevada a Vila em 12 de Março de 1771

Até 1771, a Figueira era conhecida como “lugar que chamam figueira”, “figueira na foz de Buarcos”, “figueira próximo de Buarcos”, “figueira na foz do Mondego”, “foz do Mondego”, “foz da Figueira”, “porto de Buarcos” e “Figueira da Foz do Mondego”. Tinha cerca de 2500 habitantes e 1000 habitações quando foi elevada à categoria de vila por decreto régio de D. José I, de 12 de março de 1771, com o nome de “Figueira da Foz do Mondego”.

Quando a Figueira foi elevada a vila, existia a Igreja de S. Julião (edificada no século VII, depois sucessivamente destruída e reedificada, e com o aspeto atual desde 1887), o Convento de Santo António (desde 1527 e com o seu aspeto atual desde 1725), o Paço de Tavarede (cerca de 1540), o Forte de Santa Catarina (cerca de 1585), a Casa do Paço (desde 1704) e a Casa da Alfândega (desde 1711 e com a atual arquitetura desde 1842).

Em 1771 era já intensa a exploração de carvão no Cabo Mondego, cujas jazidas tinham sido descobertas em 1750, havia as pescas e a exploração do sal, mas o porto da Figueira, também denominado “porto de Buarcos”, era a sua maior riqueza, possuindo estaleiros de construção naval desde o século XVII.

Apesar da importância da Figueira, era em Tavarede que funcionava a Câmara, a qual só seria transferida para a Figueira em 1771, por coação do Cabido de Coimbra, e certamente por Decreto de D. José I (1714-1777), apesar de nunca se ter encontrado qualquer documento esclarecedor desta transferência. Tavarede, com foral desde 9 de maio de 1516, perdia importância, e a sua Câmara Municipal, auditório e cadeia começavam a ser geridos por gente residente na Figueira, assim como a maioria dos processos cíveis e criminais dirimidos em Tavarede diziam respeito a casos ocorridos na Figueira.

A transferência da Câmara deveu-se certamente ao maior crescimento da Figueira relativamente a Tavarede, mas também a um golpe hábil do Marquês de Pombal, que de uma assentada terminou com séculos de litígios entre o Cabido da Sé de Coimbra e a importante família Quadros de Tavarede. Na realidade foi o povo quem mais sofreu com estes litígios, que se viu sufocado e oprimido entre dois poderes seculares, a família feudal Quadros e o Cabido, que disputavam entre si a posse das terras.

Ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, a família Quadros, do alto da sua sobranceria, tomava indevidamente terras, mudava marcos, comprava propriedades sem licença do Cabido, não pagava terrádego nem domínio, ameaçando todos aqueles que não fossem do seu parecer. Dizem mesmo alguns historiadores que Tavarede, em pleno século XVIII, foi o último reduto do velho sistema feudal no que tinha de mais odioso e injusto.
Mas os Quadros de Tavarede tinham influência na Corte, pelo que se tornou difícil ao Cabido fazer vingar os seus direitos, apesar de ter ganho muitos delitos, tendo a família Quadros perdido terras, prestígio e a própria liberdade, pois até à prisão e ao degredo chegaram a ser condenados.

O grande adversário do Cabido foi o bacharel Fernando Gomes de Quadros, 8º Senhor do Morgadio de Tavarede, que vivia no dito couto de Tavarede “dissoluta e despoticamente com o foro de fidalgo da Casa de V. Majestade e Comendador nas Alhadas com tão absoluto e independente poder com vexação das justiças e povo”.

Ao Cabido interessava-lhe desmoronar o poder dos Quadros, os donos de Tavarede, pelo que foi do seu interesse a transferência da Câmara de Tavarede para a Figueira, pretensão que solicitou ao Rei D. José I em 1759 e foi satisfeita quando a Figueira foi elevada a vila em 1771. Com a elevação a vila, a localidade ficou a denominar-se “Figueira da Foz do Mondego” e foram três os diplomas publicados para o efeito: Decreto de 12 de março de 1771, Alvará de 22 de março de 1771 e Carta Régia de 10 de abril.

Paço de Tavarede

O Decreto de 12 de março eleva a Figueira a vila, cria o lugar de Juiz de Fora, e o seu distrito de intervenção, e nomeia o Dr. Bento José da Silva para o ocupar:

“Hei por bem Erigir em Villa o Lugar da Figueira da Foz do Mondego, e criar n’ella o Lugar de Juiz de Fóra, Crime, e Orfãos que terá por districto os Coutos de Mayorca, das Alhadas, Quiaios, Tavarede, Lavos, e as Villas de Buarcos, e Redondos, os Conselhos, e Situações ao Sul do Rio chamado de Carnide, ou do Louriçal, desde onde principia o districto da Ouvidoria de Pombal, até o moinho do Almoxarife, que tudo hei por desmembrado do districto de Montemór o velho, a quem té agora pertencia: E outro sim Hei por bem Nomear para o dito lugar de Juiz de Fóra o Bacharel Bento José da Silva, o qual fazendo a meu contento a dita Criação, se-haverá o dito Lugar por cabeça de Comarca, depois de Me-servir tres annos, e os mais que decorrerem, em quanto lhe não Nomear sucessor. Palacio de N. S. da Ajuda em 12 de Março de 1771. S. M. F.” (Decreto Real – Alvará, 22 de Março de 1771).

Dez dias depois, a 22 de março, é publicado o respetivo Alvará, e com base neste foi publicada a respetiva Carta Régia a 10 de abril de 1771. A posse do Juiz de Fora e a eleição do Alcaide em 30 de julho de 1771 foram atos praticados na Figueira pelos vereadores do couto de Tavarede, todos residentes na Figueira, e assim assinavam: “Lemos, de João Gonçalves uma cruz, Arthurio Moreira, João Jorge”.

Esta vereação que veio de Tavarede continuou em funções na Figueira, não se sabendo se a Câmara de Tavarede era de nomeação ou de aprovação do Cabido, mas sabendo-se que este nomeava o escrivão da Câmara de Tavarede.

A partir de 1772 os vereadores foram de aprovação régia e, por provisão de 8 de outubro de 1772, foram pela primeira vez nomeados os vereadores para a Câmara da Figueira.

Assim, iniciaram funções em 1773 os seguintes vereadores: António Osório de Pinna e Mello, Manoel José Soares de Carvalho da Cunha, José Joaquim dos Santos Pinheiro e como procurador Manoel Francisco da Maia.

O primeiro juiz de Fora da Figueira, o Dr. Bento José da Silva, era patrício, colega da Universidade e amigo do ministro José Seabra da Silva, a quem o Marquês de Pombal “oferecera” a Quinta do Canal em 1770, depois de confiscada aos jesuítas em 1759.

Assim se entende a tese do ilustre figueirense Dr. José Jardim quando refere que “o lugar da Figueira foi feito vila graças à influência pessoal de José de Seabra …e às suas conveniências particulares.” (As Alfândegas, pág. 245). De facto, o ministro José Seabra da Silva vivia então em Lisboa e muito jeito lhe deu a vinda do seu amigo para a Figueira, como Juiz de Fora, pois lhe poderia olhar pelas suas belas e ricas terras da Quinta do Canal (na atual freguesia do Alqueidão).

Mas o Dr. Bento José da Silva teve tarefa difícil, porque, por um lado, caiu no meio do braço de ferro entre o Cabido e a poderosa família Quadros, e por outro, o seu amigo ministro José Seabra da Silva perderia todo o poder. Então, quando em 1774 terminaram os 3 anos do provimento do Dr. Bento José da Silva, foi este substituído porque o seu amigo ministro José Seabra da Silva tinha caído em desgraça, tendo sido demitido, desterrado e preso.

Mas, libertado em 1778, veio descansar para a sua Quinta do Canal até 1781.

AUTOR

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Fernando Curado

Natural do Alqueidão, Figueira da Foz, Fernando Curado é um engenheiro civil aposentado, especializado em engenharia sanitária. Esteve sempre ligado a entidades públicas. Atualmente reside em Beja. Há 10 anos, assumiu estudar a história da Figueira da Foz e divulgá-la de forma sintética. Já o faz desde 2015. E está só no início.