Linha Férrea da Figueira da Foz inaugurada a 3 de agosto de 1882
Os empresários figueirenses cedo viram a importância da linha férrea e, pelo menos desde 1867, a Associação Comercial e Industrial da Figueira da Foz (ACIFF) tentou que a mesma chegasse à Figueira. Assim, em 4 de junho de 1867 a ACIFF requereu a D. Luís a construção de um ramal férreo do Moinho de Almoxarife à linha do Norte, entroncando nesta no local do “Jalhadouro”.
E em 29 de março de 1874 solicitou à Câmara dos Deputados a concessão de um ramal de linha férrea, “quando discutissem a aprovação do caminho de ferro das duas Beiras”, de modo que a Figueira ficasse ligada à rede nacional, requerendo ainda que fosse concedida a Camilo Mangeon e a Evaristo Nunes Pinha a construção de um ramal entre a Figueira e Coimbra “sem subvenção alguma”.
Posteriormente, em 17 de fevereiro de 1878, a ACIFF requereu aos Deputados da Nação um estudo relativo ao traçado do caminho de ferro da Beira Alta, a partir da Figueira e seguindo pela margem do rio Mondego até Lares, atravessando aqui o rio e prosseguindo até Alfarelos pela sua margem esquerda. Na realidade, a construção do troço Pampilhosa-Figueira já tinha sido contratada em 14 de setembro de 1859 pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses (CRCFP), mas nada tinha avançado desde então.
O comboio tardava em chegar à Figueira, porque já em 1856 tinha sido inaugurado o primeiro troço de linha férrea em Portugal, de Lisboa ao Carregado, e já este levava 30 anos de atraso sobre o Reino Unido. Mas só em 1876 o governo abriu concurso para a construção e exploração do troço Pampilhosa-Vilar Formoso, e só à terceira praça conseguiu adjudicar a obra, à Societé Financière de Paris, cujo contrato foi assinado em 3 de agosto de 1878.
A empresa francesa fundou em janeiro de 1879 a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses da Beira Alta (CCFBA) que, em outubro de 1879, iniciou as obras entre Vilar Formoso e a Pampilhosa, entrando este troço em funcionamento, de forma provisória, em 1 de julho de 1882.
O contrato assinado em 3 de agosto de 1878 com a Société Financière de Paris não incluía o troço Pampilhosa-Figueira porque, como atrás se referiu, este estava contratado com a Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses desde 14 de setembro de 1859, mas sem desenvolvimentos posteriores.
Foi Augusto Saraiva de Carvalho, enquanto ministro das Obras Públicas, de 1 de junho de 1879 a 25 de março de 1881, que terá desbloqueado este problema ao autorizar que a CCFBA construísse também o troço Pampilhosa-Figueira através de contrato provisório assinado em 31 de outubro de 1879 e com a respetiva legislação promulgada em 31 de março de 1880.
Neste contencioso interveio a ACIFF quando, em 1 de junho de 1880, solicitou ao Governo que promovesse a rápida decisão do Tribunal Arbitral sobre o caminho de ferro da Pampilhosa à Figueira em “prolongação do caminho de ferro da Beira Alta”.
As obras foram iniciadas em 10 de agosto de 1880 e a 2 de março de 1882 chegou à Figueira o primeiro comboio. Em 10 de junho de 1882 iniciou-se o transporte de passageiros no troço entre a Figueira e a Guarda, mas só em 1 de julho ocorreu a abertura pública da linha da Beira Alta entre a Figueira e Vilar Formoso.
A família real fez questão de participar na inauguração oficial da linha da Beira Alta, tendo visitado a Figueira no dia 3 e as restantes estações de 3 a 16 de agosto.
A viagem dos monarcas D. Luís e D. Maria Pia, acompanhados pelo príncipe D. Carlos e pelo infante D. Afonso, bem como pela comitiva que integrava diversos ministros, deputados e pares do reino, partiu de Lisboa às 10H10M do dia 2 de agosto, em Santa Apolónia (estação construída de 1862 a 1865).
Acompanhando o rei, seguiam altas figuras do governo e do Partido Regenerador, como António de Serpa (ministro dos Negócios Estrangeiros e simultaneamente diretor da CCFBA), Tomás Ribeiro (Reino) e Hintze Ribeiro (Obras Públicas). Fechavam o grupo algumas personalidades próximas da família real, membros das elites sociais lisboetas, representantes da CRCFP e alguns militares. Fontes Pereira de Melo, Presidente do Conselho de Ministros, indisposto, ficou em Lisboa.
O comboio saído de Santa Apolónia foi precedido por uma locomotiva que confirmava a segurança da linha. Parou no Carregado e em Santarém, chegando ao Entroncamento às 13H18M, onde a comitiva real almoçou, e, em seguida, continuou a viagem até Coimbra, onde chegou às 17 horas. Em Coimbra, depois de um Te Deum e de uma cerimónia de beija-mão, o rei foi acolhido nos paços da Universidade, enquanto o resto dos convidados se hospedou em hotéis.
No dia 3 partiram de Coimbra para a Pampilhosa, onde as festas da inauguração começaram verdadeiramente. A comitiva real chegou à Pampilhosa pelas 7h30, estando presente Fontes Pereira de Melo que recuperara da indisposição do dia anterior.
As carruagens estavam cobertas com bandeiras portuguesas, francesas e italianas. As segundas em homenagem ao país de origem da companhia que as construiu e as terceiras em honra da rainha D. Maria Pia que era filha do rei de Itália Vítor Emanuel II.
Proveniente da Pampilhosa, a comitiva real chegou pelas 9h30 à estação da Figueira, onde foi recebida pelo executivo camarário, por várias autoridades, pela associação comercial e outras entidades, pelo pessoal superior da Companhia da Beira Alta e por uma força de infantaria 18 que fazia a guarda de honra.
O bispo de Coimbra, acolitado por muitos párocos do concelho, deu início à cerimónia de inauguração, benzendo as sete locomotivas que deveriam servir nesta via-férrea. De seguida a comitiva real dirigiu-se em carruagens à Igreja Matriz, onde foi executado um Te-Deum, e depois para a Casa do Paço onde a Câmara lhe serviu um lunch.
A vila da Figueira estava “lindamente aformoseada com colunas, arcos e bandeiras”, segundo notícia publicada em O Primeiro de Janeiro.
Coube à Figueirense, à Dez de Agosto e à Banda do Paião abrilhantarem a cerimónia, tendo atuado igualmente a Banda da Infantaria 18 e a Banda Conimbricense. A Filarmónica Figueirense, dirigida por Ferreira da Silva, interpretou A Inauguração – Grande Marcha Triumphal na estação dos caminhos-de-ferro e um Te-Deum na Igreja Matriz, ambos da autoria do seu maestro.
O almoço teve lugar na Casa do Paço, oferecido pela Câmara Municipal, então presidida pelo Dr. Francisco Lopes Guimarães, do Partido Progressista, cargo que exerceu de 1880 a 1886. Em 3 de agosto de 1882, o Comércio da Figueira, jornal do Partido Progressista, na oposição, referiu com grande destaque a visita dos monarcas.
Foram descritos os diversos passos desde a chegada da comitiva à estação ferroviária, passando pelas vivas ao rei, o percurso até ao pavilhão reservado pela câmara municipal, o discurso do edil Dr. Francisco Lopes Guimarães, no qual se referiu o “grandioso melhoramento” e a expectável “influência sobre o futuro da terra”, a visita à igreja matriz e o almoço (lunch) de 100 talheres, oferecido pela Câmara Municipal, servido na Casa do Paço (na altura sede do Partido Progressista).
«A Câmara Municipal tem a honra de convidar V. Exª para o lunch que oferece a Suas Majestades, no dia 3 do corrente mez d’Agosto, às 11 horas da manhã, na casa denominada do Paço. O Presidente, Francisco Lopes Guimarães».
É desta forma que a edilidade da Figueira se dirige a uma série de individualidades para estarem presentes no grande acontecimento que marca o verão de 1882. O almoço, “opíparo e magnificamente servido”, segundo o Diário de Notícias, foi regado com muito champanhe francês Théophile Roederer.
E o rei brindou ao progresso trazido pela nova via, e foi-lhe lido um poema redigido por um dos diretores da companhia.
Depois do almoço a comitiva foi recebida na Assembleia Figueirense, a mais distinta associação da época, magnificamente decorada para o evento.
A Filarmónica Dez d’Agosto tocou o hino da senhora D. Maria Pia, tendo assistido Suas Majestades e seu séquito, durante algum tempo, à distribuição de um abundante bodo a 50 pobres, oferecido pelas damas figueirenses em honra da Rainha a quem o Povo chamava o “Anjo da Caridade” e “A Mãe dos Pobres” por sua compaixão e causas sociais.
A primeira esmola é entregue pela rainha D. Maria Pia que recebe das mãos de uma criança um bouquet de flores, engalanado com fitas das cores da monarquia. Por sua vez, D. Luís prometeu elevar a vila da Figueira da Foz a cidade, o que aconteceu no mês seguinte, concretamente em 20 de setembro.
Após os agradecimentos do presidente da direção da Assembleia Figueirense, o Dr. Santos Rocha, a família real e a comitiva retiraram-se em direção à estação de caminhos-de-ferro. Pelas 13 horas, o comboio, composto por onze carruagens, partiu da Figueira, precedido de uma máquina isolada, prevenindo qualquer acidente, rumo a Mangualde, onde iriam pernoitar, com destino a Vilar Formoso.
Como seria de esperar, a inauguração foi aproveitada politicamente pelas duas maiores fações políticas da altura: o Partido Regenerador, que era governo, e o Partido Progressista que militava na oposição. Na oposição estavam também os republicanos e a sua imprensa. A inauguração da linha da Beira Alta serviu assim de instrumento de propaganda à coroa contra as ideias republicanas.
Para os jornais afetos aos progressistas “esta viagem é uma provocação audaciosa ao paiz”. Criticavam “as festas ecommendadas”, as “loucas despezas (…) com a passeata real”, o próprio rei e a manipulação de que era alvo por parte dos regeneradores e o exagero na dimensão da força policial que acompanhava a comitiva.
Na Figueira a celebração foi um sucesso, dividindo as duas agremiações as honras, realizando uma o almoço e a outra uma ação de caridade.
Na verdade, a oposição teria ainda de penar muitos anos, pois o governo do Partido Regenerador, chefiado por Fontes Pereira de Melo de 1871 a 1877, de 1878 a 1879 e de 1881 a 1886, só seria substituído em 20 de fevereiro deste último ano e a monarquia só cairia em 5 de outubro de 1910.
Mas a linha férrea até à Figueira também foi apoiada pelo Partido Progressista, pela mão de Augusto Saraiva de Carvalho, quando foi ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria, de 1-6-1879 a 25-3-1881, mas que viria a falecer em 29-11-1882, com apenas 43 anos de idade, poucos meses após a inauguração da linha da Beira Alta.
Como atrás vimos, o contrato inicial entre o Governo Português e a Societé Financière de Paris, assinado em 3-8-1878, só previu a construção do troço Pampilhosa-Vilar Formoso porque o troço Pampilhosa-Figueira já tinha sido contratado em 14-9-1859 pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses.
E quem desbloqueou este problema foi Saraiva de Carvalho, quando foi Ministro das Obras Públicas, ao autorizar que a Societé Financière de Paris/Companhia dos Caminhos de Ferro da Portugueses da Beira Alta construísse o troço Pampilhosa-Figueira, em contrato de 31-10-1879, com lei promulgada em 31-3-1880 e obras iniciadas em 10-8-1880.
Os figueirenses não o esqueceram e, em sua homenagem, deram o seu nome à maior sala de espetáculos do país de então, o Teatro-Circo Saraiva de Carvalho, inaugurado no dia 3-9-1884, e em 9-11-1960 foi concedido o seu nome à Avenida 8 de Maio.