A Figueira foi elevada à categoria de vila por decreto de 12 de março de 1771, há exatamente 252 anos, com o nome de “Figueira da Foz do Mondego“, precisamente no ano em que nasceu o ilustre figueirense Manuel Fernandes Tomás.
Nesse mesmo ano de 1771 a Câmara de Tavarede foi transferida para a Figueira da Foz, por coação do Cabido de Coimbra, e naturalmente com autorização de D. José I (1714-1777), apesar de nunca se ter encontrado qualquer documento esclarecedor desta transferência.
Segundo o Dr. José Jardim, a transferência da Câmara não terá ocorrido em 1771, mas sim em 1770, como à frente explicaremos.
A então pequena povoação da Figueira da Foz foi crescendo, em construções, em movimento comercial e marítimo, e em população, que seria em 1771 de 2500 habitantes e 1000 fogos.
Ao invés, Tavarede, com foral desde 9 de maio de 1516, perdia importância, e a sua Câmara Municipal, auditório e cadeia começavam a ser geridos por gente residente na Figueira da Foz e a maioria dos processos cíveis e criminais dirimidos em Tavarede diziam respeito a casos ocorridos na Figueira da Foz.
A transferência da Câmara deveu-se certamente ao maior crescimento da Figueira da Foz relativamente a Tavarede, mas também a um golpe hábil do Marquês de Pombal, que de uma assentada terminou com séculos de litígios entre o Cabido da Sé de Coimbra e a importante família Quadros de Tavarede.
Na realidade foi o povo quem mais sofreu com estes litígios, que se viu sufocado e oprimido entre dois poderes seculares, a família feudal Quadros e o Cabido, que disputavam entre si a posse das terras, despreocupados com os que nelas trabalhavam.
Assim, ao Cabido convinha que a Câmara saísse de Tavarede, e funcionasse na Figueira da Foz, pelo que, na qualidade de donatário do couto de Tavarede, requereu a D. José I a sua transferência, corria o ano de 1759:
“Senhor Diz o Cabido da Santa See catedral da cidade de Coimbra, como Donatario do couto de Tavarede, comarca da mesma cidade, que ao tempo que o Lugar de Tavarede Se constetuhiu cabesa do referido couto, ou não havia ahinda o Lugar da Figueyra, que hoje he bem conhecido pello nome de Figueyra da Foz do Mondego, ou se havia não Seria mais do que hum tenue e muyto diminuto cazal, o qual Lugar fica no districto e territorio do referido couto, e como aquelle de Tavarede fose no tempo da eresão Lugar mais populoso por hiso Se constetuhiu cabesa e fica em distancia do Sobredito da Figueyra pouco mais de Meya Legoa, porem o dito Povo de Tavarede não só de prezente se compoem de poucos moradores, Mas de gente pobre, e pello contrario o sobredito da Figueyra Se acha de prezente huma terra muyto populloza e em todos os annos cada ves Se vay aumentando mais fazendo se de novo cazas e sempre smultiplicando-se os Seus habitadores e tem seu convento de Relligiosos e de cada ves se hirá aumentando mais por ser hum bom porto…..”
Só em 3 de setembro de 1762 o Provedor da comarca de Coimbra enviou a D. José I o seu Parecer relativo à pretensão do Cabido:
“Sñor//Pertende o Rd.º Cabido da Sé Cathedral desta Cidade, que V. Mag.ª lhe conceda Provizão para Se mudar para o Lugar da Figueira da foz do Mondego a Caza da Camara e Cadea, que Se acha no Lugar de Tavarede, couto de que o Supp. he Donatario pelas razões, que alega em Seu requerimento, que V. Mag.ª me manda informar, ouvindo os officiaes da Camara, Nobreza, e Povo do dito Couto de Tavarede.”
“O dito requerimento parece me justo atendendo o grande augmento de moradores, e Povo com que Se acha o dito Lugar da Figueira, que o Commercio daquelle Povo tem augmentado em grande parte, de Sorte que os mesmos Moradores do Lugar de Tavarede tem mudado a mayor parte a sua habitação para o dito Lugar da Figueira pelas Comodidades que ali experimentão na condução e transporte dos seus frutos, e na facilidade do seu Consumo; pelas razões referidas a mayor parte das Justiças, que annualmente Se elegem para o dito Couto São Moradores no dito Lugar da figueira, e dali São, e nascem a mayor parte das Cauzas Cíveis, e crimes que se tratão naquelle auditório, motivo porque fica assaz penozo as pessoas, que o compoem hirem fazer, e assistir às audiências ao dito Lugar da Figueira, e igualmente aos Ministros Superiores desta Comarca, quando vão às Correições; porque fazendo se lhe (como fazem) as suas apozentadorias no Lugar da Figueira passão daly as audiencias precizas ao Lugar de Tavarede com descómodo, e vexação de todos: Tudo o referido consta do Sumario junto, e da resposta dos mesmos officiaes da Camara, Nobreza e Povo; pelo que me parece o Supp. digno da merce que pede, no que não considero prejuízo aos direitos e regalias de V. Magestade, antes grande utilidade publica a todos aquelles moradores; porem V. Magestade mandará o que for Servido. Coimbra tres de Setembro de mil Sette Centos Sessenta e dous // o Provedor da Comarca de Coimbra // Manoel Antonio Freyre de Andrade.”
Este Parecer do Provedor da Comarca de Coimbra seguiu acompanhado dos depoimentos de várias testemunhas, entre as quais o de Joam Dias Barqueiro, morador na Figueira da Foz, com 36 anos, o qual disse, em 20 de agosto de 1762:
“O ditto Couto de Tavarede está em tal decadencia que nelle Se nam acha nem hum Só homem capaz de exercitar qualquer das occupaçoens que a petiçam fas mençam. Como também a Suma pobreza em que esta todo aquelle povo do ditto Couto, e pello Contrario em o lugar da Figueira, porque alem deste ser munto populoso e Rico, por contta do Comercio que nelles há das Embarcaçõens, tem pessoas Ricas, e capazes de Servirem as dittas ocupaçõens (…)”.
Igualmente testemunharam Manoel Brás Anjo, “que vive de Suas fazendas e morador no lugar da Figueira”, e António de Oliveira Sapateiro, de 50 anos, “pouco mais ou menos”.
A D. José I chegou só os pareceres dos cidadãos da Figueira da Foz, favoráveis à transferência da Câmara, tendo-se desencaminhado os pareceres desfavoráveis de Tavarede, tal era o poder do Cabido.
Mas o Provedor de Coimbra foi intimado a apresentar os pareceres desfavoráveis de Tavarede, que estando “perdidos” …. “apareceram imediatamente, é claro. Mas para Lisboa é que eles não foram”, apesar de datarem já de 1759.
A resposta da nobreza e do povo de Tavarede às pretensões do Cabido foi apresentada em 2 de maio de 1759, e nela constava a argumentação contra a transferência da Câmara, sala de audiências e cadeia.
A referida argumentação de Tavarede rebatia o facto de ser penoso os advogados virem da Figueira a Tavarede, o facto de os moradores de Tavarede serem poucos e pobres, o facto dos juízes, vereadores, procurador e oficiais da Câmara provirem da Figueira da Foz, o facto de ser mais rápida a resolução dos processos caso a Câmara funcionasse na Figueira da Foz e o facto de ser necessário existir uma cadeia na Figueira.
O requerimento do Couto de Tavarede vem assinado por 72 personalidades, encabeçadas pelo bacharel Fernando Gomes de Quadros, o 8º Senhor do morgadio de Tavarede, seguindo-se António de Quadros e Souza, Manuel José Soares Carvalho da Cunha, o capitão António Coelho da Silva e José Carlos Soares de Carvalho.
A 3 de maio de 1759 foi apresentada uma exposição dos oficiais da Câmara de Tavarede, a favor da sua transferência para a Figueira, no essencial concordante com os argumentos do Cabido.
Segundo o Dr. António Santos Rocha, a mudança da Câmara de Tavarede para a Figueira da Foz terá ocorrido em 1771, ano em que foi elevada à categoria de vila e foi criado o distrito do Juiz de Fora.
Mas, para o Dr. José Jardim, já em 1770 a Câmara funcionava na Figueira, mesmo antes de ter sido elevada a vila por decreto de 12 de março do ano seguinte.
Como é possível não se conhecer a data exata em que a Câmara se deslocou de Tavarede para a Figueira da Foz?
A resposta a esta questão está no facto de ter desaparecido o livro das primeiras atas da Câmara quando esta começou a funcionar na Figueira, como esclareceu o Dr. Santos Rocha no seu livro “Materiais para a história da Figueira”:
“O livro nº 1, que se guarda no Archivo Municipal, não contém essas actas; começa apenas em 1773. Fomos nós que notámos esta falta, que tem feito cahir em erro todos os que consultaram os livros das actas antigas, suppondo que a instalação da camara dataria apenas d’aquelle ano de 1773, embora a carta régia que erigia a Figueira em villa fosse de 1771”.
E mais à frente:
“O facto foi observado por um Livro do Registo, também existente no dito Archivo, que contém a carta de confirmação do primeiro alcaide da Figueira, Severino dos Reis, com data de 30 de Julho de 1771, no qual se transcreve o termo de nomeação do mesmo alcaide, constante do livro da camara, fls. 21 verso, feito n’aquelle mesmo dia. Era, pois, este livro, começado em 1771, que continha as primeiras deliberações camarárias”.
O Dr. José Jardim, no seu livro “As Alfândegas”, defende a tese de já em 1770 estar a Câmara a funcionar na Figueira, em consequência dos factos que de imediato apresentaremos.
Diz ele que na folha 3 do referido nº 1 do registo está transcrita uma provisão régia de 17 de setembro de 1771 relativa a um aforamento ao governador das praças de Buarcos e Figueira, José Pacheco de Albuquerque e Melo, duma parte do paul pertencente a Carlos da Silva Pestana, junto da fonte, determinando-se que a câmara da vila de Tavarede pudesse fazer o aforamento com o seguinte despacho:
“Cumpra-se. Figueira 5 de novembro de 1770. Silva, de António Botelho uma cruz, Bernardo d’Oliveira vereador, José Ferreira Christovão, procurador da Camara.”
Verifica-se, assim, que já em 5 de novembro de 1770 a Câmara deveria funcionar na Figueira, porque é esta localidade que consta do referido despacho.
A posse do Juiz de Fora e a eleição do alcaide em 30 de julho de 1771 foram atos praticados na Figueira pelos vereadores do couto de Tavarede, os quais eram todos da Figueira.
Esta vereação que veio de Tavarede continuou em funções na Figueira, não se sabendo se a Câmara de Tavarede era de nomeação ou de aprovação do Cabido, mas sabendo-se que o escrivão da Câmara de Tavarede era nomeado pelo Cabido.
A partir de 1772 os vereadores foram de aprovação régia e, por provisão de 8 de outubro de 1772, foram, pela primeira vez, nomeados os vereadores para a Câmara da Figueira.
Assim, iniciaram funções a partir de 1773 os seguintes vereadores:
António Osório de Pinna e Mello, Manoel José Soares de Carvalho da Cunha, José Joaquim dos Santos Pinheiro e como procurador Manoel Francisco da Maia.
Depois de elevada a vila, a Figueira cresceu rapidamente, e se em 1771 tinha aproximadamente 2.500 habitantes, em 20 de setembro de 1882 ascenderia à categoria de cidade, com quase 6.000 habitantes, “atendendo a ser aquela uma das mais importantes vilas do reino pela sua população e riqueza”.