Está de parabéns a Figueira da Foz, com o seu primeiro património intangível a ser classificado e legalmente protegido, mas em especial a equipa técnica liderada pelo Departamento de Cultura e Turismo do Município, que desenvolveu a candidatura vencedora. Falamos da inclusão dos “Conhecimentos tradicionais da produção artesanal do sal marinho da Figueira da Foz” no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial.
As Salinas da Figueira da Foz recebem a justa homenagem, mas sobretudo ganham mais um nível de proteção e um impulso para o futuro como relevante ativo económico, turístico e ecológico do concelho.

O despacho remonta a 31 de maio, mas só agora foi tornado público, coroando um trabalho de fundo que se iniciou com a aquisição em finais do século XXI, por parte da Câmara – na altura liderada pelo atual presidente, Pedro Santana Lopes – da Salina do Corredor da Cobra, nos Armazéns de Lavos, onde se instalou o magnífico Núcleo Museológico do Sal, uma estrutura eco-cultural que é muito mais do que um museu e que acabou por impulsionar decisivamente este reconhecimento oficial da produção de sal no estuário do Mondego e de toda a sua envolvente cultural e ambiental.
O MeetFigueira já aqui destacou esta tradição das Salinas da Figueira da Foz e esta será uma boa ocasião para reler mais uma suculenta prosa do nosso colaborador Fernando Curado ou esta inspirada crónica de uma visita à Ilha da Morraceira.
Além do reconhecimento como prática cultural de relevo nacional, a decisão da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) também se baseia num compromisso com o futuro, constatando «como relevantes as medidas de salvaguarda propostas para a valorização e a viabilidade futura desta manifestação, valorizando também a sua articulação com as exigências de desenvolvimento sustentável na vertente social, económica e ambiental».
Em nota de imprensa, a DGPC sublinha a antiguidade desta tradição, explicando que «perdurando até hoje, a produção de sal marinho na Figueira da Foz remonta ao século XII, tendo conhecido diferentes ciclos ao longo da história. A recolha é inteiramente feita à mão, segundo técnicas ancestrais que têm sido transmitidas entre gerações». Atualmente, segundo a mesma fonte, existem 37 detentores deste saber no ativo, de ambos os sexos e maioritariamente residentes em Lavos e Vila Verde, «locais com fortes raízes na produção de sal marinho tradicional, sendo que a maioria dos marnoteiros é proprietária da respetiva marinha».

Também realça o que as torna únicas, entre as diversas tradições salineiras nacionais: «Embora com princípios comuns nas diversas regiões produtoras de Portugal (Aveiro, Figueira da Foz, Tejo, Sado e Algarve), a produção artesanal de sal marinho assume características marcadamente regionais, quer no traçado das marinhas (salinas), quer nas técnicas e práticas dos marnotos, diferenciadas em função das condições ambientais. As salinas da Figueira da Foz situam-se no estuário do rio Mondego, o que lhes confere uma morfologia específica, determinando o traçado das marinhas, que se divide em três partes distintas – os reservatórios de água, os evaporadores e os cristalizadores».
Acresce que «as práticas e técnicas inerentes à produção do sal neste contexto geográfico estão intimamente ligadas não apenas ao conjunto das marinhas ainda em atividade (mais de três dezenas), mas também aos armazéns de sal da Figueira da Foz, um tipo de construção muito característico e exclusivo deste salgado, de que existem ainda algumas dezenas de exemplos que mantêm as suas caraterísticas originais». O dossier com a fundamentação histórica pode ser consultado aqui, onde poderá conhecer em detalhe esta tradição e as suas envolvências históricas, culturais e económicas.
No início do milénio, por outro lado, a situação das salinas da Figueira da Foz «suscitou preocupação, tendo estado em risco a sobrevivência da atividade e a continuidade das suas marcas na paisagem – bem como das suas funções naturais, enquanto ecossistema. Surgiram então várias iniciativas no quadro de programas europeus que permitiram ao Município da Figueira da Foz desenvolver ações de salvaguarda e dinamização da atividade salineira, entra as quais o recém-aprovado projeto ‘Quinta Ciência Viva do Sal – cooperação, salvaguarda e inovação’, apoiado pelo EEA Grants», salienta a DGPC.
Para a revitalização da atividade salineira foi também decisivo o interesse de jovens produtores, alguns deles herdeiros de salinas familiares. «A nova geração soube adaptar e recontextualizar o saber-fazer tradicional às circunstâncias oferecidas pelo atual contexto económico, em linha com o potencial gastronómico e turístico que a atividade oferece», salienta a entidade estatal.

À Agência Lusa, o presidente da Câmara referiu ser a inscrição no Inventário Nacional «um motivo de grande satisfação». Para Santana Lopes, a faina artesanal do sal marinho é uma atividade económica, mas é também «uma riqueza cultural, uma expressão artística». Esta decisão da DGPC coincide, afirmou, com a sua vontade em «dar um impulso novo à valorização» da Ilha da Morraceira. «O sal, como o sol, fazem parte da identidade da Figueira. Por isso é um dia de satisfação, que se junta ao recente dia em que [o mosteiro de] Seiça foi elevado a monumento nacional (notícia MeetFigueira). Portanto, são boas notícias», salientou o autarca.