Não é nossa ideia impor-lhe um programa de índole cultural que possa arruinar-lhe uma tarde praia, embora o inverso possa igualmente ser perfeitamente válido – ele há tardes de praia que se arriscam a estragar uma ida ao museu. Nem tão pouco oferecer-lhe uma narrativa que coloque o Museu Municipal Santos Rocha no top dos museus nacionais a não perder.
Mas se por um lado estamos capazes de apostar que a meteorologia figueirense lhe vai pregar alguma partida durante a sua estadia na Figueira da Foz, ao ponto de lhe ser permitida uma escapadela ao museu, por outro, o Museu Municipal Santos Rocha, apesar de não constar dos roteiros culturais mais exigentes, tem motivos mais que válidos para merecer uma visita mais cuidada.
Como quase todos os museus, o Museu Municipal Santos Rocha tem também uma história. Ela pode ser lida, em resumo, logo na entrada do museu, pelo que estaremos dispensados de encetar tal introdução.
No entanto, não deixaremos de salientar e aconselhar que a visita ao Museu Municipal Santos Rocha se deve iniciar pelo lado de fora.
Superiormente enquadrado no maior parque verde da Figueira da Foz – o Parque das Abadias – o edifício é uma referência arquitetónica intemporal, fruto do trabalho de Isaías Cardoso, arquitecto figueirense, autor de diversas obras de nomeada, como a Piscina-Praia e o Grande Hotel da Figueira da Foz (hoje Hotel Mercure).
Iniciamos a visita com uma boa novidade. Fruto de um novo propósito para a Quinta das Olaias, a coleção João Reis 1889-1982, a Intuição da Pintura, que ali se encontrava exposta, marca agora presença permanente no salão à entrada do museu. Natural de Lisboa, as suas pinturas encetam formas de grande densidade dramática, abordando temáticas de carácter marítimo, retratos intimistas, ou atmosferas vividas em lugares mais longínquos. Uma verdadeira surpresa, que em boa hora o município decidiu recuperar.
Fazemos a visita nas primeiras horas de uma tarde soalheira de Agosto. O público é escasso, reduzido ou nenhum, logo as condições são apropriadas a pensamentos e focos mais acutilantes, pelo que a ala da arte religiosa torna-se a companhia apropriada para o momento. Assinalamos um importante conjunto de esculturas renascentistas de produção do Baixo Mondego, do século XIV ao XVIII, atentamos ao pormenor de expressões das figuras que mais captam o nosso olhar. Largamos os enigmas que pairam indefinidamente e passamos pelo escasso espaço dedicado à arte moderna e contemporânea, cuja disposição e dedicação mais convidam à passagem para o piso inferior que a uma cuidada observação.
Lá em baixo, há um coche do século XVI a separar-nos das séries numismáticas que sobreviveram heroicamente aos tempos, e que pousam agora em longas vitrines, pedindo à nossa imaginação que questione “Por que mãos terão já passado todas estas moedas? Que desejos terão realizado?”.
Logo à frente, encontramos uma importante coleção de mobiliário indo-português de 4 séculos de existência, cujos pormenores de ornamentação lembram padrões de tamanho infinito e que não deixam dúvidas quanto à mescla de culturas indiana e europeia.
A viagem ao Museu Municipal Santos Rocha prossegue, silenciosa, com paragem obrigatória na belíssima coleção etnográfica de origem africana e oriental. Aconselha-se um olhar mais demorado pelas vitrinas, repletas de simbologia e pormenores encantadores.
A Coleção de Armaria do Museu marca uma secção importante do Museu, oferecendo aos visitantes uma viagem histórica, expondo a evolução das armas de fogo e armas brancas, desde o século XVII ao século XX.
Um dos pontos altos da visita é a vitrine dedicada à Primeira Guerra Mundial, onde é evocada a memória do soldado António Gonçalves Curado, o primeiro combatente da Infantaria Portuguesa a cair nos campos de batalha da Flandres durante a Primeira Guerra Mundial. A sua história enraíza-se profundamente na identidade local, uma vez que era filho de figueirenses.
A Coleção da Armaria celebra ainda a história de coragem e sacrifício evidenciada pelo desembarque das tropas inglesas, lideradas por Arthur Wellesley (mais tarde Duque de Wellington), na baía do Mondego em 1808.
Entramos finalmente na zona mais envolvente do museu, dedicada ao homem – e seu trabalho – que deu o nome ao museu, sendo seu fundador e primeiro diretor, e que tanto contribuiu na divulgação científica e nas descobertas arqueológicas do concelho da Figueira da Foz – António dos Santos Rocha.
A exposição permanente de arqueologia reúne um significativo e importante conjunto de peças que retratam o dedicado trabalho de Santos Rocha, com relevância especial a diversos objetos originários do sítio fenício de Santa Olaia, a monumentos megalíticos, e materiais recolhidos das expedições da Sociedade Arqueológica.
Um painel multimedia interactivo ajuda a enquadrar e consolidar todo o conhecimento, pelo que se aconselha a sua utilização.
Situado em pleno coração da cidade, rodeado um magnífico espaço verde, em local sossegado e fresco, o Museu Municipal Santos Rocha é bom partido e vale bem o tempo despendido – reserve uma a duas horas. Os saberes, sabemos bem, jamais ocupam espaços desnecessários.