Viver a Figueira 12 meses por ano

Então, vá! – Percursos culturais para fazer a pé : “Estação humana da Figueira”

“Estação humana da Figueira” – Rua Heróis do Ultramar / Rua 10 de Agosto / Rua Visconde da Marinha Grande

Distância: 0,9 kms / 11 minutos
Dificuldade: Moderada

Na encruzilhada das três ruas que vos propomos conhecer, localiza o Dr. António dos Santos Rocha (1853-1910) um dos mais antigos exemplos da ocupação humana da localidade – eis a Figueira verdadeiramente antiga!

Na sua obra de 1888, “Antiguidades Pré -históricas do Concelho da Figueira”, Santos Rocha descreve-nos deliciosamente como, nas incursões arqueológicas da sua equipa, junto ao Cruzeiro, são levantadas do chão lascas de quartzo, revelando distintamente o impacto da percussão, e de sílex, contendo patine e as marcas de um lascado intencional – sinais da vontade dos nossos antepassados.

Meses mais tarde, abrindo-se um fosso na Rua 10 de Agosto para instalação de canalizações de água e gás, novo depósito de ferramentas líticas emerge à claridade e, dentre elas, um excelente exemplar completo de uma ponta de lança, aqui reproduzido.

Do bairro do Monte, chegou, à época, um dos maiores machados de pedra antigos que a equipa de Santos Rocha teve oportunidade de analisar. Encontrava-se, conta o Arqueólogo, “na posse de uma mulher que o considerava como um talismã”: “há muito anos, conta ela, caiu um raio pela chaminé da casa da sua avó; enterrou-se a sete palmos de profundidade; e, passados sete anos, apareceu à superfície: era aquela pedra! Preserva dos raios e, cria a proprietária, que, se caísse no chão, rebentaria com grande fracasso, e seria capaz de destruir a casa!”.

Estes tesouros da ocupação primitiva da Figueira da Foz podem ser admirados no Museu Municipal Dr. Santos Rocha.

Ponto de partida: Rua Heróis do Ultramar
Pontos de interesse: Cruzeiro da Figueira

Na Rua Heróis do Ultramar, próximo à sede dos Bombeiros Voluntários e para lá de um pequeno portão de ferro forjado, há um monumento intrigante: é o cruzeiro da Figueira e foi erigido em 1812.

Assinala a memória das muitas vítimas da fome e da epidemia de tifo exantemático que atingiu uma enorme massa de população entre a 2.ª e a 3.ª Invasão Francesa (1809-1810).

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A partir de Fevereiro de 1809, milhares de pessoas das freguesias e concelhos limítrofes procuraram nesta praça militar refúgio das vis pilhagens, assassinatos e humilhações sofridas às mãos dos franceses.

A despeito de toda a solidariedade que a vila da Figueira demonstrou para com estes refugiados – a quem ofereceu abrigo, comida e auxílio médico, em 1811 o número de vítimas da fome e do tifo saldava-se em cerca de 5000 almas.

A necessidade de dar enterro condigno a tantas pessoas fez ultrapassar a capacidade do cemitério do Convento de Santo António, pelo que foi na cerca do Convento que muitas foram inumadas.

Para vossa comodidade, deixamos a tradução da inscrição em latim do Reverendo Padre Jaime Ferreira, publicada no Álbum Figueirense em Agosto de 1934:

No ano de 1810, ocupada uma grande parte de Portugal pelo mui poderoso e terrível exército dos franceses, e acudindo pressurosos a esta vila todos os povos, não só das imediações como também de longe, a fim de se pouparem, fugindo, às grandes calamidades da guerra, sem que trouxessem consigo meios de vida alguns, ou certamente poucos, reinou uma falta terrível de comestíveis.

Derivando desse facto, porém, uma epidemia, para cima de cinco mil pessoas morreram nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março do ano seguinte.

A maior parte delas, finalmente, foram sepultadas, aqui e em lugar não distante, por ordem do magistrado régio que, com os auxílios ainda de outros, forneceu alimentos por todo o tempo que pôde ao maior número possível.

Tu, que isto leres, treme perante os trágicos sucessos e a adversidade e, mais ainda, teme os altos juízos de Deus a respeito dos homens, rectos, sem dúvida, mas muitas vezes terríveis e insondáveis para os homens.”

Este cruzeiro está Classificado como Imóvel de Interesse Público, por decreto de 5 de Dezembro de 1961.

Rumando a nascente, descemos à direita, no cruzamento, em direcção à Rua 10 de Agosto.

2.ª estação: Rua 10 de Agosto
Pontos de interesse: Centro de Formação da GNR

A Rua 10 de Agosto foi estabelecida em 1789, com a designação variável de “Vale”, “Vale de Lamas” ou “Vale do Monte”. Dada a proliferação de armazéns de vinhos que nesta encosta se estabeleceram, em 1803, a artéria é denominada “Rua do Rio Tinto”.

A relevância do nome definitivo pode escapar aos contemporâneos mas aqui fica: a 10 de Agosto de 1880 tiveram início os trabalhos para a construção da linha do Caminho de Ferro da Beira Alta, que abriu a Vila à Cidade, em 1882, e a Cidade à Europa.

O muro amarelo que nos acompanha na descida do primeiro terço da Rua 10 Agosto assinala os limites do Centro de Formação da GNR da Figueira da Foz.

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Aqui, em 1920, foram erigidas as instalações permanentes do Exército na cidade, cujo primeiro destacamento – de Artilharia, aqui se instalou em 1897.

A importância da presença militar na cidade, formalizada por ordem de marcha de 8 de Janeiro de 1897 do Ministro da Guerra José Estêvão de Morais Sarmento, está bem viva: assinalando o importante contributo para o desenvolvimento político, social e económico da Figueira da Foz aportado pela fixação de uma unidade do Exército, a Associação Comercial e Industrial da Figueira promoveu a fundação de uma instituição de beneficência que lembrasse e perpetuasse o evento. Nasceu, assim, a Obra da Figueira, hoje incorporada na Misericórdia e na sua acção em favor da comunidade.

Vamos agora então até à Misericórdia. Virando à direita no cruzamento, subimos a Rua do Hospital, descemos a Rua do Hospital e contornamos o muro da Misericórdia, subindo as escadas até ao Largo Silva Soares.

Final: Largo Silva Soares
Pontos de interesse: Igreja de Santo António e Igreja de São Francisco

Igreja de Santo António ou Capela da Misericórdia corresponde ao templo do convento franciscano fundado em 1527 e que foi importante centro de fé e devoção caritativa na região.

Erigida no início do séc. XIX, a Igreja de São Francisco, ou “da Ordem Terceira”, conserva um rico património próprio, para muitas pessoas ainda desconhecido. 

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Foi por iniciativa do Padre Frei António de Buarcos, reconhecido ao tempo pela edificação das casas religiosas do Convento de Viseu e do Mosteiro de Santa Clara de Viseu, com o apoio do Rei D. João III e o patrocínio de António Fernandes de Quadros, 1.º Senhor de Tavarede, que, em 1527, foi edificado o Convento de Santo António, a meia distância entre Buarcos e Tavarede, no lugar da Figueira.

A história da sua edificação, da sua humildade e dos desaires que lhe advieram, é relatada na História da Ordem de São Francisco, em 1709: rodeada dos ares frescos e saudáveis da sua cerca ampla e frutífera, apesar da sua simplicidade, o Convento não escapou à devassa de militares e piratas.

Nacionalizado o convento após a extinção das ordens religiosas, em 1834, o edifício sobreviveu com novas funções civis, tendo a Igreja sido sempre reservada à oração. No coro é ainda possível apreciar um cadeiral do séc. XVIII, único no mundo, que em 13 painéis de madeira pintada conta a história da vida de Santo António, o mais genuíno Santo português.

Desde a sua fundação, o Convento contou com a proximidade e apoio dos leigos, organizados em Ordem Secular composta pelos “homens bons” do lugar da Figueira. Contribuindo com esmolas e bem para a prossecução da missão franciscana – a comunhão com os mais humildes, a recusa da dominação dos bens materiais sobre o Espírito, a construção de uma comunidade humana fraterna, o respeito e cuidado da Natureza e o reconhecimento da humanidade de Deus, mantiveram a ligação da Ordem com a população pela organização das solenidades públicas e envidaram construir, em meados do séc. XIX, a Igreja contígua, de São Francisco.

Simples na sua nave única, é adornada por azulejos da fábrica “Viúva Lamego” e imagens particularmente marcantes de S. Francisco de Assis, Santo António, Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora da Conceição que, embora de factura recente, lhe acentuam a nobreza barroca.

A Pó de Saber – Cultura e Património organiza visitas guiadas regulares às Igrejas de Santo António e São Francisco e programas tailor made de visita ao património militar, urbanístico e artístico da Figueira da Foz.