Oficialmente, segundo os livros e saberes entendidos, a Praia de Buarcos inicia na zona da Ponte do Galante (para os menos conhecedores, onde está situado o Hotel Eurostars) e estende-se até aos Vais, no início da subida para a Serra da Boa Viagem.
Talvez seja areia a mais para a nossa camioneta, pelo que o leitor não se importará que nos debrucemos apenas na faixa costeira compreendida entre o Casal da Areia (a zona onde está situado o edifício J.Pimenta e a Estátua do Pescador) e a Muralha de Buarcos: ao longo dos anos, as praias do concelho foram-se subdividindo nas suas nomenclaturas próprias, pelo que seguindo para norte encontramos a Praia da Tamargueira e as Praias do Cabo Mondego.
Seria um real atrevimento da nossa parte criar novas descrições para a Praia de Buarcos, quando ilustres conterrâneos nossos foram tão bem-sucedidos nessa empreitada.
Atente em Ramalho Ortigão, que em “As Farpas” não se limitou a elogiar a Figueira da Foz e foi capaz de ver mais além:
“A grande baía compreendida entre o Cabo Mondego e a embocadura do rio desenha uma curva encantadora, lembrando os mais risonhos e os mais doces golfos do Mediterrâneo”
Ou D.António da Costa de Sousa Macedo, antigo ministro da Monarquia (quem não se lembra?!), que em 1877 escrevia assim:
“Para a esquerda, o recortado castelo, escura sentinela dos séculos narrando em segredo a história do passado a toda aquela mocidade que palpita de esperanças; para a direita, o sítio onde o mar descreve a imensa baía, espreguiça-se a pitoresca a formosa povoação de Buarcos, à beira-mar, numa planície, que estendendo-se para o interior, é ao longe coroada pela cordilheira cinzenta da Serra da Boa Viagem”
Não é nosso propósito ficarmos prisioneiros no passado, mas é conveniente referir, antes de nos debruçarmos de vez sobre a atualidade da Praia de Buarcos, que a faina piscatória foi durante séculos a maior fonte de rendimentos da povoação de Buarcos. Pese embora todas as armadilhas circunvizinhas, a sua enseada dispunha de acessos bem definidos, as chamadas “Portas de Buarcos”, permitindo que as suas gentes tirassem o usufruto do mar.
Os buarcosenses defendem com orgulho o seu passado piscatório. As embarcações pesqueiras já não desembarcam na praia, a arte xávega já não se pratica, as vendas logo ali na areia deixaram de acontecer, mas esses tempos são recordados boca-a-boca e em variadas manifestações artísticas espalhadas pela vila, pelo que Buarcos manterá para sempre essa estreita e orgulhosa ligação com o mar.
E se as vizinhas praias da Figueira da Foz mantêm hoje em dia uma função essencialmente turística, a Praia de Buarcos junta-lhe com manifesta animação um fator adicional de socialização, mantendo quase inadvertidamente a velha tradição de conviver sob as areias de Buarcos, hoje na companhia de uma rodada de finos, um pires de tremoços ou uma saladinha de polvo, numa das várias plataformas de apoio de praia espalhadas pela praia.
A escolha é vasta e variada: Dino’s Bar, Celeste Russa, Onda do Mar, ou Madroa Bar, separados por poucas dezenas de metros, como que confirmando a importância daquela curva costeira, e sob o olhar atento de um curioso concentrado de coloridas habitações, que fazem da vila de Buarcos um aprazível labirinto de ruas e ruelas para descobrir nos intervalos da praia.
Se o convívio é fundamental para estas bandas, o verdadeiro espírito familiar que se gera nestes encontros é bem patente nos espaços de fronte destas esplanadas, estendendo-se também às gerações mais novas: a criançada diverte-se longe da ameaça automóvel, em areias intermináveis, aproveitando os vários recintos desportivos ali dispersos, fazendo de Buarcos uma verdadeira capital de desportos de praia, recebendo anualmente milhares de pessoas em importantes eventos, como o Portugal Beach Rugby, Madjer Beach Soccer Cup ou Hugo Almeida Footvolley Cup.
Para os mais aflitos, é de referir que a Praia de Buarcos está servida por excelentes instalações sanitárias. Ao lado, encontra-se um recheado parque infantil. E não é preciso andar muito até chegar ao parque de skate, que também serve bicicletas nas suas exibições mais malabarísticas. A ciclovia está logo ali. Vem retilínea da Figueira da Foz e faz ligação a Buarcos e ao Cabo Mondego, pese embora algumas interrupções mal resolvidas ou ainda por resolver, que podem tornar estranhas algumas zonas do percurso.
Falta falar da praia. Não deslumbra, mas cumpre na sua essência. O mar não é tão zangado como o da Figueira, o que torna a praia mais apetecível para famílias. A extensão do areal é também menos dolorosa que a da Praia do Relógio. Na maré baixa, os penedos descobertos oferecem uma beleza e entretenimento adicionais. Lá atrás, há estacionamento automóvel, mas em dias de verão solarengos e fins-de-semana concorridos, encontrar um lugar pode revelar-se mais complicado.
À saída da praia, como despedida, é essencial subir-se até ao patamar da muralha, na Rua 5 de Outubro. A vista sobre a baía é deliciosa. E se acompanhada por um petisco e refreso de final de tarde, as sensações resultantes podem tornar-se bastante prazerosas.
Terminamos como começamos. Com uma transcrição da Monografia de Buarcos, de Fausto Caniceiro da Costa, sobre veraneantes famosos:
“A Figueira e Buarcos foram as praias preferidas pelas maiores figuras nacionais a começar pelo nosso primeiro rei, Senhor D.Afonso Henriques, que, segundo rezam as crónicas, “estando doente em Coimbra, veio, por conselho dos seus médicos ao longo do Mondego até à foz e chegou ao mar quasi são & detendo-se em recreação de rio & monte alguns dias…”
O nosso fundador não terá ido apenas a rio e mar, como terá passado por Buarcos para subir até ao “monte” da Serra da Boa Viagem. Ah, D. Afonso Henriques, foi um rei e tanto!